Infraestrutura Verde – Reflexões profissionais no cenário brasileiro



por Maitê Bueno Pinheiro

 

Infraestrutura Verde é um método de planejamento e projeto paisagístico que se fundamenta na criação de uma rede de paisagens multifuncionais verde-azuis (vegetação e sistema hídrico) composta de paisagens naturais e espaços tratados com Soluções Baseadas na Natureza (SbN) como jardins de chuva e wetlands construídos que aperfeiçoam a infraestrutura existente adaptando-a aos processos da natureza em prol dos Serviços Ecossistêmicos.

 

Inspiradas e apoiadas pelos processos naturais, as SbN são consideradas emergentes para o manejo das águas em termos de disponibilidade, qualidade, controle de riscos e segurança hídrica, se aplicadas a partir de uma rede de Infraestrutura Verde. As SbN envolvem ações de conservação e de reabilitação dos ecossistemas e ações de tratamento paisagístico para favorecimento ou simulação dos processos naturais em paisagens artificiais ou modificadas. Sua aplicação é diversa e atende diversos contextos (urbano e rural) e escalas de projeto, podendo ser aplicadas a partir da microescala, por exemplo um canteiro pluvial ou jardim de chuva, à macro, em nível de paisagem, abrangendo a bacia hidrográfica a partir de um sistema de infraestrutura verde[1].

 

No dia 05 de maio deste ano (mesmo dia em que comemoro meu aniversário) completam-se quatro anos da defesa da minha dissertação de mestrado intitulada “Plantas para Infraestrutura Verde e o papel da vegetação no tratamento das águas urbanas de São Paulo: Critérios para seleção de espécies”[2]. E falar sobre perspectivas para Infraestrutura Verde no cenário brasileiro atual é ainda delicado. Embora estejam florescendo jardins filtrantes em cidades importantes do país, para chegarmos perto do que se constata na China com seus impressionantes projetos de cidades esponjas ou nos planos de infraestrutura verde já em implantação em cidades dos Estados Unidos e União Europeia, largos passos precisam ser dados.

Figura 1 – Primeiro plano de Infraestrutura Verde do município Pittsburgh, Estados Unidos (Pittsburgh Green First Plan, 2017)[3]. Diferente das cidades brasileiras, na maioria das cidades dos EU a infraestrutura de águas pluviais é combinada ao tratamento dos esgotos, ou seja, as águas de chuva são coletadas e enviadas à estação de tratamento juntamente com os esgotos, e tratadas antes de serem lançadas em um corpo hídrico. No entanto, devido a expansão das áreas impermeabilizadas e os efeitos das mudanças climáticas globais sobre o regime de chuvas, esta infraestrutura combinada tem sofrido transbordamentos quando há um evento de precipitação intensa, como no caso de Pittsburgh. Os transbordamentos impactam diretamente a qualidade das águas, impedindo o uso recreativo e trazendo ameaças a saúde humana e à vida aquática. Como medida para o enfrentamento desta problemática em Pittsburgh e em mais 83 municípios do Condado de Allegheny, no ano de 2008 a Agência de Proteção Ambiental (U.S. Environmental Protection Agency) exigiu a Autoridade Sanitária do Condado o desenvolvimento de planos de Infraestrutura Verde municipais, além das medidas estruturais apresentadas pela Autoridade. O desenvolvimento do plano de Infraestrutura Verde de Pittsburgh foi um longo processo de trabalho envolvendo diversos atores. Iniciado em 2008 e finalizado em 2016, o plano apresenta uma visão integrada de ações para o manejo de 5.544 hectares de escoamentos ao longo dos próximos 20 anos a partir de SbN como jardins de chuva, biovaletas, wetlands e telhados verdes. As ações já implantadas podem ser acompanhadas através do 3RWW Green Infrastructure Inventory[4]

 

Entretanto, todo esforço desprendido durante anos de pesquisa (aqui não me atenho apenas ao período do curso de mestrado) tem sido compensado a cada pequena conquista em minha trajetória profissional. Como docente e consultora de projetos tenho observado um aumento significativo no interesse pela Infraestrutura Verde enquanto estratégia para a gestão das águas e melhoria da qualidade de vida urbana, tanto pelos setores público e privado, como pelos profissionais e estudantes de graduação e pós-graduação das áreas de planejamento ambiental e projeto paisagístico e urbanístico.

 

Em minhas experiências como consultora, vale destacar que todos os projetos em que trabalhei foram empreendimentos para novos loteamentos urbanos localizados em áreas ambientalmente sensíveis ou limítrofes a elas, como o caso do projeto piloto da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo – CDHU (empresa do Governo Estadual, vinculada à Secretaria da Habitação) na cidade de Campos do Jordão[5], em que trabalhei durante agosto de 2018 a dezembro de 2019.

 

O conjunto de 98 Unidades Habitacionais projetadas para serem construídas em um terreno doado pela Prefeitura de Campos do Jordão, inserido em uma APA (Área de Proteção Ambiental), será o primeiro projeto da CDHU que incluí uma rede de Infraestrutura Verde atrelada a drenagem, além de outras soluções como aquecimento solar e geração de energia com células fotovoltaicas e captação e reutilização de água de chuva nas bacias sanitárias.

 

O projeto de Infraestrutura Verde desenvolvido propôs a criação de uma rede de SbN que subsidia a infraestrutura de drenagem, combinada aos projetos urbanístico e paisagístico, abrangendo todo loteamento. As SbN foram projetadas conectadas à rede de drenagem condominial já dimensionada para atender às necessidades específicas do empreendimento, com o objetivo de melhorar a drenagem a partir da redução da carga de poluição difusa, da velocidade e do volume dos escoamentos, contribuindo para a preservação do pequeno córrego à jusante.

 

Canteiros pluviais foram projetados no passeio para recolher parte dos escoamentos das vias e ao redor de cada um dos cinco edifícios para recolher parte dos escoamentos das coberturas. Na área de lazer optou-se pelo piso permeável, também conectado à rede de drenagem, que terá função de deter e infiltrar parte das águas de chuva no solo, direcionando o excedente para a rede. Os canteiros pluviais somados correspondem a uma área de 190 m2 com capacidade de detenção e tratamento de 100 m3 de água. Todo escoamento detido e recolhido na rede é direcionado para o Reservatório de Águas Pluviais (RAP) que tem capacidade para um volume de 60 m3. As águas detidas no RAP são lançadas em uma biovaleta projetada para encaminhar as águas para uma bacia de infiltração vegetada não estrutural localizada na Área de Preservação Permanente (APP) do córrego limítrofe ao empreendimento.  A bacia de 200 m  foi dimensionada para atender um volume de 77 m3 e terá função de realizar o tratamento final das águas antes delas chegarem ao córrego. Além de melhorar a qualidade das águas, a escolha pela bacia de infiltração vegetada teve como objetivo enriquecer a APP com biodiversidade de espécies botânicas nativas adaptadas às condições ambientais locais.

 

O projeto também inclui o plantio do capim vetiver (Vetiver zizanioides) como medida ecológica para proteção dos taludes contra erosão, deslizamento e mitigação da poluição difusa trazida pelos escoamentos. O capim vetiver é indicado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT)[6] para o tratamento ambiental de contenção de taludes e encostas e é uma espécie com elevado potencial para fitorremediação de diversos poluentes[7].Figura 2 -Ilustração demonstrando modelo de canteiro pluvial sem infiltração utilizado no projeto desenvolvido para CDHU. Fonte: Autora.

 

Figura 3 – Modelo de canteiro pluvial desenvolvido por Maitê Pinheiro em parceria com a Linear Engenharia e Tecnologia para a Casa Modelo da CDHU na Feicon Batimat 2019. Fonte da autora.

 

Além de subsidiar a infraestrutura de drenagem convencional as SbN propostas neste projeto visam promover a qualidade ambiental para os habitantes e a fauna local através do incremento de áreas verdes trabalhadas com valor ecológico.

 

Um dos principais desafios enfrentados no desenvolvimento do projeto relatado foi o pouco conhecimento sobre a Infraestrutura Verde, o que, inevitavelmente, gerava insegurança para utilização das SbN. Essa constatação, juntamente com as pesquisas e experiências profissionais colecionadas nos últimos anos, demonstram a relevância das ações e disciplinas voltadas à difusão do conhecimento teórico e prático sobre a Infraestrutura Verde e as Soluções Baseadas na Natureza. E, embora tenhamos muitos desafios a transcender, sou otimista ao dizer que estamos caminhando rumo ao desenvolvimento urbano sustentável, mesmo que ainda de forma tímida, as sementes de uma cultura de projetos que privilegia soluções apoiadas pela natureza estão sendo cultivadas nas salas de aulas. 

 

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[1] Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos 2018. Relatório Executivo. Programa Mundial das Nações Unidas para Avaliação dos Recurso Hídricos. Gabinete do Programa de Avaliação Global da Água. Divisão de Ciências Hídricas, UNESCO. Itália, 2018

[2] Pinheiro, Maitê Bueno. Plantas para Infraestrutura Verde e o papel da vegetação no tratamento das águas urbanas de São Paulo: Critérios para seleção de espécies. Orientador Paulo Renato Mesquita Pellegrino. São Paulo, 2017. 367p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Área de Concentração: Paisagem e Ambiente.

[3] PITTSBURGH GREEN HISTORY. Combined Sewer Overflows & Aging Infrastructure Tackled by Pittsburgh Green First Plan. April 13, 2017. Disponível em: <https://pittsburghgreenstory.com/combined-sewer-overflows-aging-infrastructure-tackled-pittsburgh-green-first-plan/>. Acesso em: agosto de 2020.

[4] 3RWW Green Infrastructure Inventory. Disponível em: <https://3rww.maps.arcgis.com/apps/webappviewer/index.html?id=a9d29d4710194416b4938a4c9098773e>. Acesso em: março de 2021.

[5] Em agosto de 2018 fui contratada pela empresa Linear Engenheira e Tecnologia Ltda para desenvolver o Anteprojeto de Infraestrutura Verde para o projeto piloto da CDHU em Campos do Jordão. Em conjunto com esta empresa, desenvolvi o Projeto Básico e Projeto Executivo de Infraestrutura Verde (entregue em dezembro) para este empreendimento piloto da CDHU. Essa parceria entre UrbAmbiental e a Linear também resultou no desenvolvimento de um modelo de canteiro pluvial para passeios públicos apresentado na Casa Modelo da CDHU durante a Feicon Batimat 2019 em São Paulo.

[6] Conforme o Norma DNIT 074/2006 – ES (Tratamento ambiental de taludes e encostas por intermédio de dispositivos de controle de processos erosivos – Especificação de serviço) do Departamento Nacional de Infraestrutura De Transportes (DNIT), o capim vetiver, o capim limão e o bambú são espécies botânicas adequadas para constituição de um Sistema Vegetativo de Controle de Erosão, que permitem a retenção dos sedimentos transportados durante as chuvas evitando a degradação do solo, e quebrando a intensidade do fluxo descendente das águas pluviais. (NORMA DNIT 074/2006 – ES. Disponível em: <https://www.gov.br/dnit/pt-br/assuntos/planejamento-e-pesquisa/ipr/coletanea-de-normas/coletanea-de-normas/especificacao-de-servico-es/dnit_074_2006_es.pdf>. Acesso em: março de 2021.

[7] Pinheiro, Maitê Bueno. Plantas para Infraestrutura Verde e o papel da vegetação no tratamento das águas urbanas de São Paulo: Critérios para seleção de espécies. SiBi USP: São Paulo, 2017. 367p.

 


Sobre Maitê Bueno Pinheiro
Mestra em Ciências da Paisagem e Ambiente pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Especialista em Química Ambiental (FOC), Bacharel em Ciências Biológicas (UNINOVE) e Artista. Possui formação acadêmica e profissional interdisciplinar e multicultural. Atua como consultora especialista em Projetos de Infraestrutura Verde pelo coletivo UrbAmbiental desde 2017 e é professora universitária desde 2018. Atualmente é docente no IPOG e na Universidade Livre das Faculdades Oswaldo Cruz. Realizou estágio de Pesquisa na Universidade Humboldt de Berlim (2016) e na Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (2010-2012).
 
Instagram: @urbambiental
Site: www.urbambiental.com
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