Segredos revelados sobre a atuação do visual merchandising



Se você acha que a vitrina é a responsável por captar o público para dentro da loja está na hora de rever os seus conceitos. Uma vitrina estratégica comunica muito mais do que o simples convite para o universo da marca. Ela deve estar alinhada com todo o DNA da marca, conversar diretamente com a campanha do momento e principalmente falar diretamente com seu público-alvo.

Para entendermos melhor quais são os desafios assumidos pelos visual merchandisings (VM) e vitrinistas na concepção desse atrativo espaço, convidamos para um bate-papo super enriquecedor uma das principais referências no Brasil e no mundo de composição de vitrinas, Sylvia Demetresco. Para se ter uma ideia, Sylvia tem um currículo espetacular que incluem anos de dedicação como VM em empresas como relógios Rolex. É autora de 13 livros sobre vitrinas e emprega todo o seu conhecimento em projetos mundo afora.

Lorí Crízel – Como as marcas têm trabalhado a concepção de seus projetos?

Sylvia Demetresco – No DNA da marca já há um projeto do que será feito. Quando a marca aciona o visual merchandising (VM), seja ela de moda, carro, acessório, ela vai comunicar o seguinte: qual produto ela comercializa, qual público ela quer impactar, e nos coloca em contato direto com os responsáveis pelo seu marketing. A partir daí é mostrado como será a propaganda, a campanha por trás desse produto e o que se espera da disposição desse produto na loja. Falo isso em relação a grandes empresas que tenho atendido. No Brasil a agência nem sempre está em contato direto com os profissionais que vão atuar dentro das lojas. Mas no exterior essa comunicação se dá de forma muito mais acertada.

Nas grandes empresas europeias que atuei, o marketing sempre esteve diretamente ligado às ações pensadas para dentro das lojas. Nessas reuniões o diálogo se dava no seguinte sentido. O marketing apresenta seu planejamento anual de lançamento de produtos, explica a história por trás de cada um desses produtos, cores relacionadas, as expectativas quanto à comercialização desse produto e quem é o público-alvo. A partir daí, o visual merchandising delineia o seu projeto. Essa sinergia entre marketing, arquitetura e visual merchandising oferece os subsídios necessários para que a linguagem traduzida na loja esteja de acordo com a campanha que percorrerá os vários veículos de comunicação mundo afora.

Lorí Crízel – Você pode nos exemplificar um passo a passo desse processo criativo?

Sylvia Demetresco – Vamos imaginar a seguinte situação. Uma empresa de cosmético aciona o visual merchandising para o lançamento de um creme que tem em sua composição o café. Quais são os insights que serão passados ao VM para que ele construa uma linguagem visual a ser aplicada na loja? De onde vem o café, se esse produto é natural, quais os tipos de público que querem impactar, como levar esse público a querer ter uma experiência com o produto. Ou seja, somos nutridos com uma ampla análise sobre a concepção desse produto, para que consigamos traduzir a história desse produto em algo que chame a atenção na loja, que capte a atenção do meu público.

Lorí Crízel – Quando o VM começa a conceber o projeto de uma vitrina a marca já passa o direcionamento da mensagem que ela quer transmitir ao seu público?

Sylvia Demetresco – As grandes marcas já definem exatamente o que esperam que essa vitrina desperte no seu público. Se formos usar o exemplo dado do creme à base de café, a marca pode me comunicar o seguinte: queremos que a vitrina faça um convite para que o público entre para tomar um café. E a partir dessa interação com a equipe de vendas que o produto e todos os seus benefícios passarão a ser explicados ao público. Temos que entender que ao trazer o cliente para dentro da loja, estamos despertando nele o desejo de adquirir o produto. A ideia das marcas é fazer da loja um local de experiência, onde a compra se consolida em etapas.

Lorí Crízel – Como essas marcas estão trabalhando fora dos âmbitos das lojas para se consolidarem no imaginário do seu público?

Sylvia Demetresco – Vamos trabalhar um outro exemplo de uma marca de relógios como sendo patrocinadora de um evento de música clássica. Por que essa marca escolhe patrocinar um evento de música se ela nem produz instrumentos musicais? Porque tanto os músicos quanto o público que vão prestigiar fazem parte de uma audiência qualificada, com gostos mais aprimorados, capazes de reconhecer naquela marca de relógio os seus atributos. Outro valor atribuído diretamente à marca ao patrocinar tal evento diz respeito às suas escolhas. Patrocinar um evento musical confere a ela um atributo de empresa preocupada com a difusão da cultura e isso aumenta o valor que esse seleto público confere a essa marca. Logo, ao ter que escolher qual relógio comprar, aquela marca surge como primeira opções por ela se colocar como valiosa dentro do espectro de interesse desse público-alvo.

Lorí Crízel – Como o VM lida com situações onde a marca segmenta o seu público dependendo da campanha que está realizando? Por exemplo, em determinado momento quero atingir tal público, em outro meu foco muda?

Sylvia Demetresco – Vamos pensar em uma marca de perfume. Quando pensamos a composição dessa vitrina ela é focada em determinado público. No entanto, temos que atender muitas vezes a fatores externos que incidem durante a campanha. Por exemplo, a realização de um evento esportivo de grande apelo como as Olimpíadas pode ser uma oportunidade de se trabalhar essa vitrina de perfume tendo como gancho elementos esportivos. Então, mesmo que em sua essência o perfume seja voltado para um público mais amplo, naquele momento, devido ao apelo gerado pelo evento esportivo, podemos explorar o interesse na competição para poder captar a atenção dos atletas e apreciadores de esporte. Quase como se pegássemos carona nos assuntos de maior interesse do momento para nos apropriarmos desse foco e trazer o cliente para dentro da loja.

Lorí Crízel – Quais atributos o vitrinista utiliza para captar a atenção do público?

Sylvia Demetresco – Ao ter contato com o briefing passado pela equipe de marketing e os diferenciais do produto, devo pensar como reproduzir na vitrina da loja o sonho de se consumir esse produto. O vitrinista basicamente capta dos elementos que lhe são passados uma forma quase lúdica de atrair a atenção do cliente. Quando fazemos uma vitrina estamos transformando palavras em sensações. Para isso podemos trabalhar com algo mais institucional, remeter a algumas sensações vinculadas ao produto como o da liberdade, frescor, aconchego, sofisticação.

Lorí Crízel – Você poderia exemplificar como trabalhou isso em algum dos seus trabalhos?

Sylvia Demetresco – Trabalhei em uma campanha de lançamento de um carro onde nos propomos a transmitir qual era a sensação de estar naquele carro, sem colocar o cliente dentro do carro. A ideia era trazer o cliente para dentro da loja para que ele pudesse tocar e sentir as texturas de componentes do carro para perceber o quão agradável cada item era. Trabalhamos em parceria com uma profissional da área da moda. Ela recorreu às texturas dos tecidos, dos revestimentos, dos materiais utilizados para fazer a maçaneta, e por ai afora. Esses elementos foram disponibilizados pela loja para que o cliente pudesse sentir em seu tato as sensações de estar tocando nos componentes do carro, sem precisar entrar dentro do carro. Assim você trabalha no consumidor sensações táteis. Isso mostra como o visual merchandising atua de forma ampla e recorrendo a demais conhecimentos para promover a experiência de maneiras criativas e que fujam do senso comum.

Lorí Crízel – Sabemos que a vitrina é o grande chamariz para trazer o público para dentro da loja. Quais técnicas podemos utilizar para chamar atenção do público?

Sylvia Demetresco – Pesquisas mostram que as pessoas olham meros sete segundos para uma vitrina. Quem olha mais tempo do que isso são o dono da loja e o vitrinista. Por isso temos que ter o bom senso de não sobrecarregá-la de informação. Tem que ter pontos focais, pontos de descanso bem balanceados. Importante também saber que o escaneamento do olhar é feito de cima para baixo, para saber priorizar como expor os produtos. Também é importante saber fazer composições de produtos afins. Ou seja, uma loja de artigos esportivos pode trazer alguns acessórios para compor a cenografia e auxiliar a passar a mensagem. Um outro exemplo, se você vai apresentar um sapato de grife pode recorrer a algum elemento cenográfico como um lustre para criar a identificação do público quanto à representatividade daquele sapato. As pessoas precisam criar identificação com aquele produto a medida que veem representados na vitrina elementos que fazem parte do seu mundo também, ou do mundo que almejam fazer parte.

Lorí Crízel – E como se dá o processo de adaptação da vitrina à campanha de marketing?

Sylvia Demetresco – O próprio briefing da campanha sinaliza o caminho que o vitrinista deve seguir. Eu como VM tenho que pensar em como iluminar esse produto, que altura ele será apresentado, que distância colocá-lo das pessoas que passam, como expor. Por exemplo, ao apresentar um sapato na vitrina ele precisa estar a uma altura de 1 metro e meio, com a luz focada em cima dele, com um ângulo pequeno. Isso é pensado para cada um dos produtos.

Lorí Crízel – Como você analisa o uso de manequins nas vitrinas?

Sylvia Demetresco – Os manequins devem ser usados com equilíbrio. Numa vitrina de 5 a 6 metros, três manequins são necessários. Lojas mais sofisticadas trabalham menos quantidades de manequins. As posturas têm que ser ordenadas de forma que as pessoas entendam o que está acontecendo. É possível se trabalhar com posturas para que esses manequins dialoguem entre si. Eu acredito que apenas para campanhas onde se quer causar muito impacto, em momentos bem pontuais, daí sim eu recomendaria trazer muitos manequins.

Lorí Crízel – Você considera que o sucesso de uma vitrina está na captura desse cliente para dentro da loja?

Sylvia Demetresco – Temos que entender que a vitrina não vende o produto. Ela busca seduzir, chamar a atenção do público para dentro da loja, mas quem vai efetivar a venda é o vendedor. A vitrina bem composta tem que estar de acordo com o DNA da marca, com a campanha atual e ela atua mais como a continuidade das mensagens que estão sendo passadas nos demais canais de comunicação, como revistas, outdoors. A vitrina é mais um ponto de fixação da marca no imaginário do consumidor. Ela ajuda a servir de referência para quando esse consumidor precisar de algo e buscar em sua memória onde viu opções atrativas, a vitrina bem composta venha à mente desse cliente convidando-o a efetivar a compra. Uma vitrina bem composta tem que se atentar para o alinhamento com a campanha, com o DNA da marca, com valores, etiquetas, alturas, agrupamentos, cores, fundo da vitrina. Todos esses detalhes devem estar no escopo de preocupação do vitrinista.

Sobre Sylvia Demetresco:

Sylvia Demetresco é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, com pós-doutorado em Semiótica no Instituto Universitário da França, em Paris. Professora de Visual Merchandising na Ecole Supérieure de Visual Merchandising, em Vevey, na Suíça, de 2003 a 2013; editora da revista internacional INSPIRATION, especializada em visual merchandising, na Suíça de 2002 a 2013 e colaboradora desde 1980. Professora na escola do luxo ISTEC, em Paris de 2004 a 2013. Trabalhou como diretora de VM na empresa Relógios Rolex, por 30 anos, de 1972 a 2002. VM da Loja Natura Paris de 2005 a 2010. Presta consultoria e dá aulas em várias escolas e empresas nacionais e internacionais e autora de 13 livros sobre vitrinas. Atualmente professora no curso livre de VM da FAAP e cenografia comercial na Belas Artes.

 





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